Lady Preta

TEXTO DE>>> Raphíssima Sou Eu.

Leia no formato original aqui:   lady.preta_vacas

 

 

[rapidinho, [:] conversa de bueiro!]

[:]

– ai, cansada dele, mas foi o único que eu arranjei hoje!

pior que ele não quer me largar!         é cliente, sabe?!

tu não tem cara de quem tem cliente, por isso que falando pra ti….

_não dá mais pra mim a noite |

| TENHO QUE ME APOSENTAR.

já comeceia encaminharminhasobrinha.

elavai  darojeito dela de fazeresse pé demeia!

mas vamovoltar porque senão o outrovai estranhar [!]

_ai, tá na hora é d’eu me apaixonar…

[mas esquece o que te falei!] –

 

 

Lady Preta

 

 

velada pela noite escura,

a mulher que me chama e confidencia

desencantos e queixumes

[ré]-[vela] num instante a principal via de toda a vida

 

atenta, controla seu ganha-pão, que de longe a observa

e espera e se observa eles

[:]

atentos a um movimento i.n.c.e.r.t.o

_ambos suspeitos deles mesmos

 

Preta_

olhos de sombra terrosa[1]

Lady Preta_

mulher de toda-vida

esteve na minha num instante-esperana fila do banheiro

numa noite-espera de um instante-sexta-feira

 

enquanto a fila não diminuía,

ela observava o cliente que [a]_guardava com suas bolsas

após sairmos do banheiro, puxou-me pelo braço em direção

a uma tampa acoplada no chão da feira e segredou […]

 

o devir puta de uma lady –

 

 

 

vais entrar?

[- pergunto, enquanto ela, à minha frente na fila, se

dispersa falando com um homem afastado de nós]

 

: não, gata, relaxa,

eu tenho que ficar de olho

no bofe porque ele com as minhas bolsa

[a fila dentro do banheiro diminuía lentamente.

eu tentava entrar. ela logo atrás de mim.

e eu, sempre puxando assunto:]

 

caramba, tem muita gente!

 

: pelo menos eu fico aqui

na porta e vejo onde ele !

[– ela continua a conversa]

 

[saio do banheiro e a espero:]

ele ali, mana. não perdeste o bofe e nem as bolsas!

 

: aah, mana, não me preocupo com ele,

nem conheço, é só pra garantir a noite…

deixa ele lá – TÔ TE VENDO DAQUI! –vem cá comigo…

 

[enquanto subíamos os degraus da FEIRA LIVRE, arrisquei:]

qual o teu nome, gata?

 

: haha, pra quê que eu vou dizer…?! me chamam de Lady Preta.

 

[__puxou-me pelo braço em direção

a uma tampa acoplada no chão da feira, e ali me disse…]

 

do devir puta de uma lady –

 

 

 

 

fui tomada como a um cliente [!]

num estar-comigo

expor confidências

e depois de tudo pede que eu esqueça

 

[_______.]

 

quem era aquela que se mulherizava à minha frente?

tantos devires de alguém

ora prostituta : ora tia : ora mulher carente –

de quem era aquele desejo?

quantos desejos escondia?

 

devir com vontade de potência

conversa de bueiro-morada-de-ratos

clientes deslizam sorrateiros

ela desliza

a noite o dinheiro o cansaço o sonho

e…e…e…

 

Preta_

agencia o movimento da vida

[des]arranjo e rearranjo de planos

 

Lady Preta_

emaranhado noturno

no labirinto de tantas mulheres

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

então mais um dia amanhece

e o futuro acaba

[:] é preciso saber do hoje

o que sou capaz

__afectos infectos de quem não conheço

infiltram meu corpo de puta mulher puta

invadem o outro

escorrem e alagam a superfície mesma

deste |sujeito| poético

 

contaminação de ser

do ser com potência de contágio

 

que quebra as linhas em fuga

que cola na carne

líquido intravenoso

coito gozo clímax

rasga em fetiche

abrindo fissura

deixando deserto

e cheio de ar

para recompor

respirar

abandonar

 

deixando-me aqui

contaminada

sem saber terminar

este encontro –

 

porque foi embora Lady Preta, levando seus desejos e suas bolsas.

 

porque ninguém sabe do que um |devir| sujeito é capaz–

 

 

 

[1]poema o que pouco existiu, de MAXMARTINS, no livro não para consolar, 1992, p. 66.

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