Clara

Por Bianca Levy

Toda beleza empalidecia quando traduzida por aquele olhar, frio, de posse, a desmerecer os pequenos encantos que ela continha. Os cabelos finos a alçar voo com facilidade, o curvilíneo dos traços, marcas, risadas, antigos souvenirs, causos do passado, toda construção do Eu transformada em fúria por aquele olhar manipulador. Mais do que tê-la, aquele olhar queria sê-la, vampirizando os sentimentos, a alegria de cada sorriso, ingenuidade de criança, até restar uma forma em porcelana vazia de frio pedindo socorro em silencio capturado apenas em pequenos atos, no franzir da sobrancelha, nas pessoas que não falava mais, naquela roupa escondida no fundo da gaveta. Aquele olhar em cólera gritava toda sorte de ironias ofensas ameaças, tirando-lhe as forças a cada passada, fazendo-a carregar a culpa maquinada pelo algoz. Queria roubar-lhe a fé em crer um caminho melhor. Na ânsia de provar o contrário se redimia ao olhar traidor, doentio o qual sequer enxergou a segunda chance dada apenas pelos nobres, preferindo mirar no gatilho, eternizando para si cruelmente um ser que era só amor. Escapou àquele olhar, porém, que nunca seria sua e toda tentativa de contê-la a tornaria mais sublime única inalcançável e distante daquele vazio imposto em vão. Escapou saber contemplar o bater de asas, o singelo inconstante doado por inteiro a quem merece ter, a beleza que enquanto caminhou em terra todos puderam ver. Precisava de luz para enxergar e tão Clara ela era que o cegou, brilhou pelo mundo e só ele não viu.

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