“MEU AMOR” ou “Amor em tempos de patriarcado”

de Inaê Nascimento

Desde criança tinha o ciúme como uma coisa horrenda de se sentir ou de ser alvo de, entendia que o ciúme nada tinha a ver com amor, e mais tarde entendi que tinha a ver com falta de liberdade, possessividade e insegurança. E assim via o ciúme em qualquer aspecto. Mas então um texto¹ que li me esclareceu um ponto bem significativo sobre o ciúme: o machismo. Para explicar vou transcrever um trecho de um livro que ando lendo…

“(…) embora os povos admitissem o acasalamento como indispensável à procriação, a “paternidade” como instituição inexistia: as crianças não eram objeto de posse e consequentemente o conceito de bastardia ou ilegitimidade sequer era cogitado. (…) Para que a paternidade biológica possa ter alguma credibilidade, faz-se mister que a “promiscuidade” seja extirpada, ou, por assim dizer, que a livre sexualidade feminina seja domesticada e a instituição do casamento monogâmico reforçada por lei. A característica mais cerceadora do patriarcado reside em terminar com o controle feminino do nascimento e de sua própria sexualidade. A mulher passa a pertencer ao patriarca, e seus filhos passam a ostentar o sobrenome do pai. No cerne do influxo trazido pelos deuses patriarcais e de suas leis, disseminou-se amplamente a filosofia de que o “sexo é sórdido” e o “envolvimento sexual, perigoso”. Paralelamente, o rapto ou estupro institucionalizou-se como mecanismo de controle exercido sobre o grupo social feminino.” (do livro “Mãe Paz” da Vicki Noble)

Isso me faz crer que o ciúme é filho do patriarcado. O homem torna a mulher e o filho seus bens. Enquanto o homem se enciúma com medo de ter sua virilidade deposta, a mulher, desempoderada, desunida e subjulgada precisa ser a “escolhida e protegida” e se enciúma com a possibilidade de se ver sozinha e rejeitada, posta a mercê.

A mulher ao sentir ciúme ataca a OUTRA. O homem ao sentir ciúme ataca a própria mulher. (Afinal, a responsabilidade é dela por seduzir simplesmente por ser mulher) Temos aí duas vítimas do ciúme: a mulher e a outra, que por um acaso também é uma mulher. Isso significa violência verbal, psicológica, física e, na pior das hipóteses, morte.

Situações próximas a mim de relacionamentos “conturbados” me trouxeram a tona outra face do machismo nas relações heteronormativas: como o ciúme ganha aparências diferentes para homens e mulheres. Pensamentos como “um pouquinho de ciúme faz bem” “tempera a relação” “quem ama sente ciúme” respalda apenas eles. A possessividade e o ciúme em um homem são comumente entendidos como proteção, cuidado, demonstração de amor, e muitas mulheres se mantém em relações maléficas por terem essa lógica entranhada nelas. Não é fácil se empoderar quando tudo a sua volta te suga. Por outro lado uma mulher que tenha a mesma atitude impulsionada pelos ciúmes que o homem, é tida como histérica, louca, barraqueira, neurótica etc etc. E mais uma vez o homem sai imune.

Assim como sai imune no “ciúme concretizado”. A “traição” de um homem é perdoada. “É da natureza deles”. A da mulher é inadimissível, imperdoável e deve ser punida. Junto isso com outras situações sobre diferenças de “papéis” nas relações conjugais e liberdade sexual entre homens e mulheres, a única conclusão que chego é que o ciúme, seja sentido por eles ou por elas, é mais uma forma de opressão e violência contra a mulher.

¹ https://versoando.wordpress.com/2014/10/07/sobre-ciumes-e-a-posicao-da-mulher-na-luta-nao-monogamia/

 

 

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